Site Meter Projeto Modes - Encheu? Joga Fora!: Ah,se não houvesse o despertar pela manhã...

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Ah,se não houvesse o despertar pela manhã...

Surgiu num sonho, num outubro qualquer. Se gostavam. E ainda que essa coisa toda de gostar fosse complicada demais para compreender e explicar, como todo mundo tenta fazer, naquele momento tudo acontecia dentro de um sonho. Por isso era simples. Ela gostava de estar com ele, ele gostava de estar com ela. Isso era tudo. Dormiam juntos no sonho, porque era bom para um e para outro estarem assim, naquele espaço paralelo. Não via nada de fora, nem ninguém. Deitada nua no ombro dele, também nu. Não havia fatos ou fardos. Dormiam juntos, apenas. Isso era limpo e nítido no sonho que ela teve àquela noite.

Recostada confortavelmente no ombro dele, ela via seu rosto muito próximo. Esse era o sonho, nada mais. E isso, no dia seguinte saberia, era o único fato do sonho inteiro: via o rosto dele muito próximo. Se Fechasse os olhos — mas não os fecharia, pois já estava dormindo — guardaria nas pálpebras cerradas todos os traços dele. Aquelas crateras miúdas com negros fios de barba despontando duros de dentro delas, a boca levemente molhada, que deixaria escapar duas ou três frases do Noel Rosa. De olhos abertos, apesar de fechados, já que isso era um sonho, ela reparava nos dentes brancos, impecáveis. Tão simples, tão claros. E de uma forma estranha, aquele momento, seria para sempre.

Talvez ele tivesse passado um dos braços em torno da cintura dela, quem sabe ela houvesse deitado uma das mãos sobre o ombro dele, erguendo os dedos até que tocassem no lóbulo de sua orelha. E enquanto dormia, tudo era só e apenas isso: dormiam juntos no centro da noite, no meio do sonho, num outro espaço.

Foi quando, irritada, esfregou os olhos compulsivamente e pensou se ele teria mesmo passado um dos braços por sua cintura, e se esse braço teria pêlos densos, mas macios de tocar, se a mão dele realmente fechara-se exata, solidária e carinhosa naquele ponto secreto onde, constrangida, ela admitia ter mesmo algumas gordurinhas.

Pensava se havia relaxado a mão nos pêlos do peito dele, esticando dois, três dedos até tocar aquele ponto exato entre a nuca e o pescoço. Conseguiu lembrar também da outra mão, não aquela pousada no peito dele, mas esta outra que descia à toa pelos pêlos, enroscando-se até a cintura chegando numa certa barriga perdoável. A mão que penetrava o umbigo com a ponta da unha vermelha, aquele homem que não era sequer perfeito e por isso mesmo belo. E esse fato era para sempre, mesmo sendo fugaz.

Fechava os olhos, para tentar abri-los novamente no sonho, procurava novos detalhes, lembrou-se dos pés encaixados perfeitamente, do suspiro longo e doce, daquele rosto que ao dormir, não fosse pela barba, teria um aspecto quase infantil.

Sem artifícios, acordaram vazias na manhã seguinte: Ela e a Manhã.

9 comentários:

Fernanda Doniani disse...

"Sonho que se sonha só
é só um sonho que se sonha só.
Mas sonho que se sonha junto
é realidade."

(tô numa fase seixas)

Anônimo disse...

Achei que morreria, mas não ia ler algo assim.

é, aquele tal de Eu-Lírico.

Luiza Silvestrini disse...

Achei que morreria, mas não ia ler algo assim.

é, aquele tal de Eu-Lírico. [2]

Bom texto, dona Paula! E eu já comentei o resto com vc! Não vou te zoar aqui, não! huahauahua...

Marina Cabral disse...

paulets...

entendo perfeitamente o lance do texto... passo tanto por isso, vc nem imagina...

esse lance de querer recuperar os detalhes pelo sonho... sonho que nunca fica totalmente igual ao que foi real.

mas a gente tenta, sempre. chegamos perto, muito perto.
mas no fim, o momento foi o momento. o depois é o depois.

beijos*

Anônimo disse...

Melhor texto do blog. fato.
parabéns, Meninas.

Beijinho
Carol

Edu Guimarães disse...

Lindo. E traz coisas ao ler.

Mas a gente sempre acorda dos sonhos.

Anônimo disse...

Então é assim, estamos sempre de volta, sempre acordando, com gosto de ressaca e saliva seca nos lábios, o travesseiro amassado com algumas lembranças entre lençóis revoltos de cama de solteiro. As mãos tateiam, buscam, os olhos caem, pesados, se fecham, a mente se esforça, volta sono, volta ontem, volta você, nós, tudo como era e podia sempre ser. Não era assim também. Nunca vivemos um paraíso. Mas o passado sempre parece melhor. Como este sonho recém-esquecido. Por isso emolduramos quadros. Retratos antigos nos trazem novos sorrisos.



[prêmio comentário inspirado]

Marina Cabral disse...

ternure, sou sua fã eterne.

Anônimo disse...

Ternuraaa.. PARABÉNS pelo comentário
eheuheuehue