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quarta-feira, 29 de julho de 2015

Mesmice.


O desânimo veio a cavalo com a chuva percebida através da janela antiga, de madeira com tinta branca e vidro no recorte quadrado. O fim da tarde anuncia a chegada do fim do expediente, que – ao mesmo tempo – parece nunca chegar.

Transporte público com chuva é tamanho imbróglio, principalmente quando se tem sono e se sonha com a cama de casal comprada a pouco, o edredon de cores vivas – presente das amigas – e o som da Adriana Calcanhoto a embalar a noite, tão esperada. Segunda-feira é dia de preguiça. Vontade zero de sair do lugar, vontade mil pelo próximo fim de semana.

Como sair daqui a minutos? Guarda-chuva a postos; todo cuidado é pouco com os carros velozes que cismas em acelerar o passo junto às poças de água coladas ao meio fio. Distância... até o sinal ficar igual maça madura e dar abertura para a corrida de todo dia.

Até o outro lado da rua.

Passa um, dois, três. No quarto ônibus entro e busco um lugar, o preferencial está vago. A moleza é tanta que vou direto nele, atenta nos possíveis passageiros com maior dificuldade do que eu. A chuva empaca o trânsito, mole, parece não ter pressa. Essa mesma que corre nas minhas veias e me deixa impaciente. Quatro, cinco, seis pontos depois, desço. Vento que puxa o guarda-chuva, me sinto ranzinza, esbravejo, aperto o passo sentido metrô.

Multidão.

Abro caminho e paro onde uma porta vai abrir. Estação segunda de um lado, sentido estação penúltima do outro. Entro, encontro um lugar, sento. Meia hora, uma hora. E nada da minhoca de metal sair do lugar. Pessoas vidradas no celular, jogos, mensagens, ligações, brigas, palavras de amor, discussões sobre a rodada do brasileirão.

Mesmice.

Terça-feira, quarta-feira, quinta-feira, sexta-feira – Todos os dias iguais.

Mas a segunda, só nela, a mesmice é evidente. Parece fazer parar a gente.




quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Cine (de amor) Privê



Cena 1

A mão entre os lábios molhados de tesão era o início da noite que ele esperava a tanto.

Seu músculo tocando de leve na perna quente que conhecia de olhos fechados.
e que tremia toda vez, quando sentia prazer.

Não era como uma falta qualquer, era uma necessidade incalculável... por uma penetração absolutamente...



Profunda.

***

Chegou tarde do escritório naquela quarta-feira tediosa.

A cabeça pesava enquanto o olhar analisava o quarto e buscava alguma urgência, mesmo sem existir.

Entrou no chuveiro e se aliviou pensando em tudo mais uma vez. Foi passando a toalha devagar, cheia de vontades enquanto andava até a cama.

Desistiu de assistir qualquer filme.

Sabia que ia dormir e sonhar com uma cena de amor (pornô), cheia de detalhes, igual aquelas contadas também nos seus livros.

Acho que acabou abrindo um sorriso no canto da boca durante o sono.

Logo o filme teria sua estréia real.



Mesmo sem sucesso de bilheteria.
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domingo, 25 de abril de 2010

Mudanças - Capítulo IV

O celular tocou uma hora mais cedo, propositalmente. Ela abriu os olhos e se deparou com ele, ainda na mesma posição de quando se deitou. Cabeça apertando o travesseiro, a boca um pouco aberta, numa respiração que mais parece um assovio, e a mão direita imóvel em cima da própria barriga. Reparou na semelhança que todos os homens têm ao dormir pesadamente e, sem saber por que, se lembrou de um fim de tarde em Itacaré, lá pros seus 25 anos, em que dormiu na rede com o seu amor daquele ano. Debaixo do calor baiano, uma mão direita que também ficava imóvel durante todo o sono, mas que engraçado, pensou, como ainda se lembrava daquele filho da puta que logo se engraçou com uma ruiva um tanto mal vestida.

Memórias. Sempre inconvenientes.

Levantou-se da cama e voltou para aquela realidade, não menos dolorosa. No bilhete, escreveu que ainda sentia o cheiro de todos os bons momentos, mas que noites assim não apagam o maldito sentimento que mistura rancor à saudade. E que a Giovana andava perguntando bastante pelo pai, ele devia ligar mais vezes.

Antes de sair, olhou mais uma vez aquele homenzarrão na cama que já despontava a meia idade. Por mais que a vontade fosse de passar o resto da tarde ali ao seu lado, queria mesmo era mandá-lo à merda. Sente raiva por momentos assim de fraqueza, a culpa é sempre do outro, inventa.

Fechou a porta e chorou. Nunca soube resolver esse problema, se engana sempre, tapa com a mão um sol que teima em nascer todos os dias, se humilha. Precisa mudar um destino que de tanto dar voltas cai no mesmo lugar. Ela sabe.

“Eu sou puta”, soluçou no corredor vazio.

Olhou a agenda e se deu conta de que é sábado, já tem um cliente marcado, deve ir pra casa logo. Ela ainda tem uma surpresa para o dia de hoje. Mas não sabe.

Rosana, 43, prostituta, mãe, amante, infeliz e, claro, profana.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Lulina - Meu príncipe

segunda-feira, 29 de março de 2010



Falei sobre você com o espelho, enquanto o lápis deixava um risco preto nos olhos castanhos. Lembrei do sorriso que apareceu igualzinho, como se eu o tivesse visto em exatos cinco minutos. Escutei sua voz no meu ouvido esquerdo e senti o calor da sua mão na minha cintura como se você estivesse ali, naquele instante.

Peguei o rímel quase no fim e aumentei os cílios que já são longos. Por pura vaidade. O cabelo estava de bom humor, as unhas feitas. A ausência do batom continuava, apenas um pouco de gloss que sairia nos próximos dez minutos. Enquanto passava senti seu beijo pelo ar quente que invadiu meus lábios.

Encaixei o pendrive no som para passar o tempo, a primeira faixa da pasta era aquela. O sonho com os olhos abertos era tão real que eu podia ouvir sua voz cantando com empolgação o refrão que tanto se repetia. Eu acompanhando como sempre, eu e você, você e eu e assim sucessivamente.

Por fim, espirrei o perfume de um lado do pescoço. O lado oposto sentiu seu nariz encostando devagar na pele enquanto eu sentia a sua. Quente, sem perfume. Só com o seu cheiro que ainda me pertencia. Terminei. Sentei. Ainda fiquei alguns minutos quieta, pensando em tudo que havia acabado de acontecer comigo. Em sonho.

...

Escutei a porta do carro bater lá embaixo.
Sem nem hesitar, meu rosto se ergueu num sorriso cor de saudade.
E mesmo depois de tanto tempo, eu consegui.




Meu mais perfeito dejavú.




...

terça-feira, 23 de março de 2010

Passarinho verde

Dá raiva quando uma pessoa se sente mais importante do que ela realmente é. Claro, para alguém no mundo ela deve ser a pessoa mais importante.
Só que para mim não.

Não.

E não!



Vá te catar. (por gentileza?)

quinta-feira, 11 de março de 2010

Castanho médio

Lembro que quando adentrei o quarto do hospital, meus olhos ignoraram todo aquele cenário branco-dolorido, as sondas e soros e fixaram-se no que, pra mim, foi impossível não se hipnotizar: o seu olhar. Era um olhar diferente, penetrante, que me fitava por minutos e que me forçava naturalmente a se mostrar ali presente, naquele momento, mesmo que fosse para segurar sua mão e tentar te distrair com casos rotineiros.

Engraçado que esse olhar andou comigo por muito tempo, em minhas memórias. Uma outra vez na praia, em meio a uma conversa banal - acho até que nem se lembra -, você parou por um instante, se voltou pra mim e arriscou um olhar que me lembrou aquele lá. Foi rápido, mas o suficiente para eu guardá-lo também na minha coleção de olhares.

E daí que anos depois te vi em um bar, daqueles com roda de samba. Nos intervalos dos meus chorinhos preferidos, me permitia escapar para observar você, mesmo que de longe. Através do meu campo de visão, contornei todo o seu rosto, esperei os momentos em que você se virava para falar com alguém só para não perder o momento de flagrar um olhar. Mas não houve nem sinal. Tenho certeza que aquele seu olhar continua ali, pronto para ser exposto em ocasiões escolhidas a dedo. Mas, lamento, eu nunca mais vou encontrá-lo.